Fundraiser: o super-herói invisível da economia social
- Be Responsible
- 4 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
No universo do setor da economia social, há uma figura essencial - alguém que pode não usar capa, não voar, nem disparar teias pelas mãos mas que está, sem dúvida, entre os super-heróis modernos da transformação social.
Se fosse uma personagem da Marvel, o fundraiser teria múltiplos poderes: empatia afiada como as garras do Wolverine, visão estratégica como a de Tony Stark, agilidade social como o Homem-Aranha e - talvez o mais importante - resistência emocional sobre-humana, como o Capitão América enfrentando décadas de batalhas “I can do this all day long”, como ele costuma dizer. Afinal, a sua rotina não é feita de aplausos, mas de muitos “nãos”, portas fechadas e orçamentos apertados - ou simplesmente inexistentes.
A Importância Vital do Fundraising
Para fazer fundraising é preciso, sim, “pedir dinheiro”. Mas a questão é: porquê?
A resposta é simples: para garantir a concretização do propósito social de uma organização. É através da angariação de recursos que os projectos sociais ganham corpo, impacto e escala.
Mas o fundraising é muito mais do que pedir dinheiro - é amor e paixão, é solidariedade em "estado puro".
Porque quando alguém decide doar o seu dinheiro, tempo ou recursos a uma causa, não está a adquirir um produto, não está a desfrutar de um vinho do Porto com 10 anos, nem a reservar uma noite num hotel de cinco estrelas ou a viver uma experiência gourmet. Está a confiar, a acreditar num sonho maior, num propósito, a investir em transformação social e em esperança. É um gesto generoso - feito de coração aberto, com a convicção de que esse apoio será bem aplicado, bem gerido e transformado em impacto real.
No entanto, para este exercício o fundraiser precisa compreender profundamente a causa da organização - independentemente da área de intervenção - e conseguir traduzi-la em palavras, imagens e estratégias que emocionem e mobilizem.
Ask (Pedir com propósito), Thank (Agradecer com autenticidade), Report (Prestar contas) e Repeat (Repetir o processo com consistência) são pilares fundamentais do fundraising eficaz. Este ciclo não é apenas uma fórmula - é uma filosofia de relacionamento. As organizações que o integram no seu ADN constroem comunidades mais fiéis e sustentáveis.
É a minha convicção! Mas não basta conhecer o ciclo - é preciso aplicá-lo com consistência.
Num mundo social onde as equipas são multidisciplinares, importa reforçar que o fundraiser pode assumir múltiplos papéis dentro das organizações. Pode ser o diretor executivo, que acumula diversas funções; o gestor de projetos, que percebe que, sem financiamento, as suas ideias não saem do papel; ou um recurso humano especializado - ou, no melhor dos cenários, integrar uma equipa dedicada exclusivamente a esta área (que sorte a dessa organização!). Independentemente do cargo ou da estrutura, o que verdadeiramente importa é que esta função seja assumida com competência, empatia, compromisso, escuta ativa e trabalho em equipa. E mais uns coisas mais, bem sabemos.
Importa referir também outro pilar igualmente negligenciado: o da comunicação. Muitas vezes tratada como o “parente pobre”, ela é essencial para contar a história, inspirar confiança e aproximar pessoas da causa. Sem comunicação, não há narrativa; e sem narrativa, não há mobilização - nem recursos ou fundos. Mas deixarei este tema para outra altura, pois merece tempo e dedicação exclusiva.
Missão: Financiar o Impacto
Enquanto o Thor protege mundos e o Doutor Estranho manipula realidades, o fundraiser lida com outra dimensão: a da sustentabilidade. Angaria fundos para alimentar pessoas, formar jovens, proteger crianças e idosos, resgatar vidas, preservar culturas, proteger florestas e defender direitos.
Mas como cumprir uma missão tão nobre sem ferramentas? Em muitos casos, e no caso de Portugal, esse herói trabalha sem orçamento para marketing e sem equipa dedicada. Mesmo assim, continua - motivado não pela glória, e muito menos pelos ordenados justos e dignos (mas isso fica para outro artigo também) - mas pela convicção de que cada euro angariado é um passo mais perto de um mundo melhor.
Passam pela Be todo o tipo de organização social: pequenas, médias e grandes. Mas há uma expressão que oiço com frequência - e que conheço bem: a figura do “faz-tudo”.
Eu já fui “faz-tudo”. Já trabalhei em organizações com departamentos de comunicação e fundraising bem definidos. E também já estive - e estou - no outro lado: onde uma única pessoa tem de abraçar tudo.
Prevalece esta realidade: o “faz-tudo” - aquela pessoa que faz omeletes sem ovos. Conseguimos! Mas - como dizia um colega meu do Norte, o Sr. João - "não tem o mesmo sabor." E não devia ser assim.
O “faz-tudo”, por vezes, fica sem poderes. É como o Flash: quando esgota a energia, perde a sua supervelocidade e precisa de recarregar. Sobrecarregado, corre o risco de cair.
É urgente que os nossos líderes reconheçam que a comunicação e o fundraising são investimentos para o futuro da missão.
É urgente que o setor social seja tratado como o que é: um parceiro de impacto, lado a lado com o setor público e o setor privado. E não apenas visto como o setor da “caridadezinha”, das boas intenções e do eterno desenrasque.
Porque fazer transformação social exige mais do que coração - exige estratégia, liderança, competência, partilha, investimento e reconhecimento.
O Superpoder Supremo: Resistência ao “Não”… e à Pressão do “Sim”
Se tivesse de escolher apenas um superpoder para o fundraiser, seria este: a resistência ao “não”… e à pressão do “sim”.
O fundraiser ouve recusas, evasivas e silêncios todos os dias. Aprende que cada “não” é apenas um passo até ao próximo “sim”. Persevera. Reavalia. Refaz a estratégia. Tudo com a paciência do Professor Xavier e a esperança do Capitão América.
Mas desengane-se quem acha que isto é uma realidade alternativa da Marvel: cansa. Frustra. E, sim, desanima. Porque por detrás do sorriso confiante, há também dúvidas, cansaço e vontade de desligar.
Só que o propósito fala mais alto. E por isso... volta-se sempre à ação.
Mas a pressão do “sim” também é real. Porque quando o “sim” chega, vem acompanhado de expectativas, prazos, metas, indicadores e da responsabilidade de fazer acontecer. É preciso equilíbrio emocional, foco e capacidade de execução e trabalho em equipa. Muito trabalho em equipa: antes, durante e depois do NÃO/SIM.
Mas afinal, somos humanos - e não super-heróis da Marvel.
Confesso que adoro ver os filmes da Marvel com o meu filho Duarte. A Teresa, a minha filha, também já se está a contagiar com esta paixão. Porém, os superpoderes estão no ecrã - não na vida real.
Mas isso não significa que, de vez em quando, não me sinta como a Mulher-Maravilha, super forte e com reflexos aguçados e ágeis, desejando que todos pudessem ser verdadeiros sem ser necessário usar o laço da verdade… Ou como o Thor, com o seu martelo mágico, pronto para enfrentar o mundo dos vilões.
Reflexão Final
Num mundo que procura caminhos mais justos, sustentáveis e humanos, o papel do fundraiser - e também do comunicador - torna-se cada vez mais relevante. Sem capa, mas com coragem, criatividade, empatia, dedicação e resiliência.
Mas este não é um caminho solitário. Nem pode ser. Tal como os Vingadores, cada membro da equipa tem o seu papel essencial e contribui para o sucesso coletivo. A sustentabilidade de uma organização não depende apenas de quem angaria recursos ou comunica - é uma responsabilidade de todos: do director, do psicólogo, do assistente social, do gestor de projectos, do contabilista, do gestor de recursos humanos, da rececionista, do logístico…Todos contribuem - seja pelo brio com que desempenham o seu trabalho, que torna a missão bem-sucedida e comprova a qualidade da intervenção e o seu impacto; seja pelas suas redes de contacto; ou até pelo simples gesto de acreditar, partilhar e divulgar a causa.
Como costumo dizer aos meus filhos, antes de entrar num teste: “Usa o teu superpoder: o do saber e da concentração. ”Apesar de já serem um pouco mais crescidos, continuo a dizer isso em tom de brincadeira. Porque todos nós - pequenos ou grandes - temos dentro de nós um superpoder. O nosso, super poder! Basta usá-lo.
Porque no fim do dia...
Todos nós queremos viver num mundo melhor. E por trás de cada passo nessa direção, há sempre alguém - ou uma equipa inteira - a garantir que esse impacto seja possível. O fundraiser. O comunicador. O empreendedor. O “faz-tudo”. O director… o gestor...
O super-herói invisível da saga da economia social, seja ele quem for.
Escrito por Linda Morango, que adora ver filmes da Marvel e de super-heróis. E já agora, de trabalhar com, para e no setor da economia social.
Comments