Comunicação e Fundraising: os superpoderes esquecidos do setor social
- Be Responsible
- 22 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 31 de jul.
No grande universo do setor social, onde todos lutamos por justiça, igualdade e dignidade humana, há dois superpoderes que são muitas vezes subestimados: a comunicação e o fundraising.
São como o Capitão América e o Homem de Ferro: diferentes, com missões próprias, mas quando trabalham juntos, formam uma força imbatível.
O fundraising mobiliza os recursos - é quem equipa a missão, garante o escudo, a tecnologia, o combustível. A comunicação, por sua vez, mobiliza corações e mentes - é quem inspira, explica o porquê da luta, envolve as pessoas e constrói a ponte entre a causa e o mundo. Separados, funcionam. Juntos, criam impacto.
Ainda assim, continuam a ser vistos como áreas “secundárias”, com os orçamentos mais baixos - quando são, na verdade, as que ligam a organização ao mundo.
Marketing Social: o verdadeiro escudo das causas
O conceito de marketing social, tal como formulado por Philip Kotler e Gerald Zaltman em 1971, trouxe uma nova perspetiva ao campo da comunicação e do marketing.
Kotler reconheceu que os princípios do marketing tradicional - utilizados para promover produtos e serviços - podiam ser adaptados para promover ideias e comportamentos de carácter social, com vista ao bem comum¹.
É como se tivéssemos descoberto que o poder do marketing não serve apenas para vender um vinho do porto de 10 anos (sim, eu adoro vinho do porto, não fosse eu uma nortenha) ou uma viagem à Disney, mas também para transformar o mundo: promover saúde e segurança pública, combater o racismo, defender os direitos humanos, proteger o ambiente ou fomentar o voluntariado.
Tal como a S.H.I.E.L.D. usa inteligência estratégica para proteger o mundo, o marketing social recorre a:
Estudos de mercado
Processos de segmentação
Comunicação
Estratégia
Avaliação constante do impacto
As campanhas de marketing social não vendem produtos. Elas mobilizam consciências, influenciam atitudes e inspiram ação coletiva para resolver problemas complexos e urgentes.
São muitos os agentes do marketing social: o Estado, as empresas, as organizações sociais... e, no meio de todos eles, os profissionais da comunicação que, como verdadeiros super-heróis discretos, trabalham nos bastidores para mudar o mundo - uma mensagem de cada vez.
Exemplos não faltam - e são justamente estes que adoro partilhar nas minhas aulas de marketing social na pós-graduação em Gestão de Organizações Sociais:
As campanhas da ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária), que apelam aos condutores a darem prioridade à vida - são um ótimo exemplo de comunicação com causa.
Ou as memoráveis campanhas da Sociedade Ponto Verde, com o inesquecível Gervásio - o macaco que, há quase 20 anos, demorou 1 hora e 12 minutos a aprender a separar embalagens. A pergunta era simples e certeira: “Se até um macaco consegue, porque é que um ser humano não há de conseguir?” Uma campanha marcante que, com humor e inteligência, nos fez refletir e - mais importante - mudar comportamentos.
E claro, não podemos esquecer as campanhas da Greenpeace ou da Amnistia Internacional - verdadeiros exemplos de comunicação ativista poderosa.
A Greenpeace, com campanhas como “Save the Arctic”, utiliza imagens impactantes e celebridades para denunciar a exploração no Ártico, mobilizando milhões de assinaturas e pressionando as petrolíferas.
A Amnistia Internacional, através do “Write for Rights”, demonstra o poder das palavras, mobilizando milhões a escrever cartas por presos injustamente, resultando em libertações e mudanças legislativas.
Estas campanhas mostram que uma comunicação estratégica pode colocar causas complexas em destaque mediático e no centro da consciência coletiva.
Planeamento: o verdadeiro superpoder
Mesmo com "mil" plataformas digitais (umas gratuitas, outras não), ao nosso dispor, comunicar sem estratégia é como o Hulk a tentar costurar um fato de bailarina: há força, mas falta direção.
E é por isso que, apesar da sua relevância, comunicação e fundraising continuam a ter os menores orçamentos (na verdade, na maioria delas, o orçamento é inexistente). São os primeiros a sofrer cortes - como se não fossem essenciais - quando, na verdade, são as áreas que mantêm a organização ligada ao mundo exterior.
E é aqui que entra o planeamento como superpoder.
Ter um plano de comunicação estruturado no tempo, com objetivos, públicos prioritários, mensagens-chave, canais e calendário de ações, é o que transforma boas intenções em impacto real.
Mas atenção: não podemos ficar pendurados à espera do plano perfeito. Porque se ficamos à espera de tudo estar definido ao milímetro, o momento passa - e o impacto também. O plano não é um fim em si mesmo, mas uma ferramenta de orientação. É como um GPS: dá-nos direção, mas permite recalcular a rota se houver trânsito, acidentes ou desvios inesperados.
"Feito é melhor que perfeito" - repito sempre que começo a empatar.
Porque agir com propósito e ajustar pelo caminho é muito mais eficaz do que não agir à espera do momento ideal. Mais do que um documento, um plano de comunicação é uma ferramenta viva: deve ser pensado com estratégia, co-construído com as equipas e revisto ao longo do ano, para se adaptar a imprevistos, crises, oportunidades ou mudanças no contexto.
Assim como um super-herói revê a sua missão com base no que acontece no terreno, um plano de comunicação tem de ser flexível e responsivo.
Complementarmente, os planos operacionais traduzem essa visão estratégica em ações concretas:
Quem faz o quê
Quando
Com que recursos
Em que canais
Com que indicadores de sucesso
São o equivalente aos mapas da missão da equipa da S.H.I.E.L.D.: orientam, organizam, evitam desperdícios e permitem que todos caminhem na mesma direção.
Sem planeamento, há ação. Mas com planeamento, há direção, foco e resultados.
Toda a gente opina - mais um simples desabafo, mas com carinho!
Nas organizações sociais, temos profissionais incríveis: psicólogos, técnicos, assistentes sociais, juristas, biólogos, médicos, enfermeiros, engenheiros, gestores.
Na verdade, são eles quem levam a missão avante - cada um no seu papel, como numa equipa de super-heróis bem afinada.
Mas quando se trata de comunicação… é como se o simples facto de sabermos falar nos desse, automaticamente, o poder do Professor X sobre a comunicação.
E eu, que estou deste lado, já ouvi de tudo. A verdade é que comunicar com impacto exige estratégia, estudo, técnica e planeamento.
Perdoem-me o desabafo - eu sei que há um comunicador dentro de cada um de nós. E sim, a opinião de quem está no terreno é essencial para traduzir a essência da causa. Mas há um limite.
Dentro de mim, por exemplo, não há um biólogo, engenheiro, nem um assistente social ou psicólogo (embora, confesso: psicologia foi uma das minhas opções na faculdade, além de gestão, marketing e publicidade - e dizem por aí que até daria uma boa psicóloga… são os outros que dizem, não eu 😄).
A verdade é que os profissionais da comunicação têm formação, experiência e visão. São como a Wanda Maximoff: sabem ler o ambiente, perceber emoções, criar narrativas e mover pessoas.
E sim, até o Super-Homem entra nesta história
Para quem viu o mais recente filme do Super-Homem (sim, eu sei que ele não é da Marvel - mas já confessei que gosto de todos os filmes de super-heróis 😄), sabe que há sempre um vilão. Como o Lex Luthor: símbolo do egoísmo, da manipulação, do poder sem escrúpulos. E no fim… ele perde sempre. Porque, apesar de tudo, a humanidade prevalece.
Mais do que nunca, e perante os enormes desafios que enfrentamos como sociedade - numa crise profunda de valores - a comunicação ocupa um lugar central na luta contra a injustiça. É através dela que denunciamos o que está errado, damos voz a quem não a tem, criamos empatia e mobilizamos a ação.
E sejamos honestos… até o Krypto, o cão do Super-Homem, apesar de desastrado e um pouco 😄 desobediente, reconhece onde está o mal - e sabe de que lado deve estar.
É esse instinto de justiça que também deve guiar a comunicação: perceber o que está errado, agir com propósito e estar sempre do lado certo da história.
A comunicação - tal como o Super-Homem - pode levantar o mundo. Mas, para isso, tem de ser reconhecida, valorizada… e bem usada.
📣 E tu?
Trabalhas na área da comunicação ou do fundraising no sector social? Que desafios tens sentido? Que campanhas te inspiram?
Partilha nos comentários ou envia-me mensagem - porque esta conversa merece continuar.
Nota¹ Kotler, P., & Zaltman, G. (1971). Social marketing: An approach to planned social change. Journal of Marketing, 35(3), 3–12.
@Linda Morango - Mentora, consultora, formadora e mãe que tenta ser super-heroína para os filhos, sempre na companhia do seu patudo Freddie. Viciada em gomas e chocolate de avelã (Kinder Bueno e Nutella são o meu kryptonite). Apaixonada por filmes da Marvel e por super-heróis, e fundadora da Academia Be Responsible. Faço tudo a sério, mas sempre com uma boa dose de humor. Atualmente, a fazer reset ao estilo de vida.
Comentários